Pesquisar este blog

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Vacinas - 2ª parte

Vacinas - 2ª parte

Vacinas – Entendendo a 'polêmica' tendo 
em vista seu contexto histórico



Conforme vimos, um dos assuntos prediletos e que é bastante polemizado e mal-entendido pelos opositores das Testemunhas de Jeová é a questão da suposta proibição da vacinação pela Torre de Vigia, na primeira metade do século passado, o século XX, com o objetivo de desacreditar as Testemunhas nas questões médicas.  É isso verdade? Mesmo que fosse, quais seriam as reais motivações? Qual era o contexto cultural e histórico dessa época? Como a vacinação era encarada pela massa popular?

Estudando e conhecendo um acontecimento histórico que se passou no Brasil, em meados dos anos 1900, somos ajudados a entender a preocupação geral e a desconfiança que pairava na mente das pessoas da época. O que aconteceu no Brasil naquela época?


Acima, o médico e sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917)


A Revolta da Vacina

O famoso médico e sanitarista brasileiro Oswaldo Cruz, tinha por objetivo livrar a cidade  do Rio de Janeiro da varíola, mas na primeira campanha de vacinação, há pouco mais de 100 anos, a cidade virou um campo de batalha. Entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, o Rio de Janeiro viu o que a imprensa chamou de “a mais terrível das revoltas populares da República”. O cenário era triste: bondes tombados, trilhos arrancados, calçamentos destruídos — tudo feito por uma turba de 3.000 revoltosos. A causa foi a lei que tornava obrigatória a vacina contra a varíola.

  


                                                                                             Bonde tombado na mobilização popular.


A oposição política, ao sentir a insatisfação popular, tratou de canalizá-la para um plano tramado tempos antes: a derrubada do presidente da República Rodrigues Alves. Mas os próprios revoltosos perderam a liderança dos rebeldes e o movimento tomou rumos próprios. Em meio a todo o conflito, com saldo de 30 mortos, 110 feridos, cerca de 1.000 detidos e centenas de deportados, aconteceu um golpe de Estado, cujo objetivo era restaurar as bases militares dos primeiros anos da República.


  

                                                                               Rodrigues Alves, presidente brasileiro entre 1902 e 1906.



A revolta foi sufocada e a cidade, remodelada, como queria Rodrigues Alves. Hoje, a varíola está extinta no mundo todo. E a Organização Mundial da Saúde discute a destruição dos últimos exemplares do vírus da doença, ainda mantidos em laboratórios dos Estados Unidos e da Rússia.
Rodrigues Alves assumiu a presidência da República em 1902, no Rio de Janeiro, à época capital federal, sob um clima de desconfiança e com um programa de governo que consistia basicamente de dois pontos: modernizar o porto e remodelar a cidade. Isso exigia atacar o maior mal da capital: doenças como peste bubônica, febre amarela e varíola.
A futura “Cidade Maravilhosa” era, então, doente. Segundo a oligarquia paulista do café, de quem Rodrigues Alves era representante, além de vergonha nacional, as condições sanitárias do Rio impediam a chegada de investimentos, maquinaria e mão-de-obra estrangeira. O projeto sanitário deveria ser executado a qualquer preço. Rodrigues Alves nomeia, então, dois assistentes, com poderes quase ditatoriais: o engenheiro Pereira Passos, como prefeito, e o médico sanitarista Oswaldo Cruz, como chefe da Diretoria de Saúde Pública, uma espécie de ministério da saúde da época. Oswaldo Cruz assume, portanto, o cargo em março de 1903, e apregoa: “Dêem-me liberdade de ação e eu exterminarei a febre amarela dentro de três anos”. O sanitarista cumpriu o prometido.


  
  



Charges da época retratam Oswaldo Cruz em campanha e a insatisfação popular.


Em nove meses, a reforma urbana derruba cerca de 600 casas e edifícios, para abrir a avenida Central (hoje, avenida Rio Branco). A ação, conhecida como “bota-abaixo”, obriga parte da população mais pobre a se mudar para os morros e a periferia.
A campanha de Oswaldo Cruz contra a peste bubônica deu certo! No entanto, o método de combate à febre amarela, que invadiu os lares, interditou, despejou e internou à força, não foi bem sucedida. Batizadas pela imprensa de “Código de Torturas”, as medidas desagradaram também alguns positivistas, que reclamavam da quebra dos direitos individuais. Eles sequer acreditavam que as doenças fossem provocadas por micróbios.
Opositores subversivos da época, que já articulavam um golpe contra o presidente Rodrigues Alves, perceberam que poderiam canalizar a insatisfação popular em favor de sua causa: a derrubada do governo, acusado de privilegiar os fazendeiros e cafeicultores paulistas.
No dia 31 de outubro, o governo consegue aprovar a lei da vacinação. Preparado pelo próprio Oswaldo Cruz, o projeto de regulamentação sai cheio de medidas autoritárias. O texto vaza para um jornal. No dia seguinte à sua publicação, começam as agitações no centro da cidade.
Financiados pelos monarquistas — que apostavam na desordem como um meio de voltar à cena política —, jacobinos e florianistas usam os jornais para passar à população suas ideias conspiradoras, por artigos e charges. Armam um golpe de Estado, a ser desencadeado durante o desfile militar de 15 de novembro. Era uma tentativa de retornar aos militares o papel que desempenharam no início da República. Mas, com a cidade em clima de terror, a parada militar foi cancelada. Lauro Sodré e outros golpistas conseguem, então, tirar da Escola Militar cerca de 300 cadetes que marcham, armados, para o palácio do Catete.
O confronto com as tropas governamentais resulta em baixas dos dois lados, sem vencedores. O governo reforça a guarda do palácio. No dia seguinte, os cadetes se rendem, depois que a Marinha bombardeara a Escola Militar, na madrugada anterior. No dia 16, o governo revoga a obrigatoriedade da vacina, mas continuam os conflitos isolados, nos bairros da Gamboa e da Saúde. Dia 20, a rebelião está esmagada e a tentativa de golpe, frustrada. Começa na cidade a operação “limpeza”, com cerca de 1.000 detidos e 460 deportados.
Mesmo com a revogação da obrigatoriedade da vacina, permanece válida a exigência do atestado de vacinação para trabalho, viagem, casamento, alistamento militar, matrícula em escolas públicas, hospedagem em hotéis.
Em 1904, cerca de 3.500 pessoas morreram de varíola. Dois anos depois, esse número caía para nove. Em 1908, uma nova epidemia eleva os óbitos para cerca de 6.550 casos, mas em 1910 é registrada uma única vítima. A cidade estava, enfim, reformada e livre do nome de “túmulo dos estrangeiros”.
Cerca de quinze tipos de moléstia faziam vítimas no Rio do início do século. As principais, que já atingiam proporções epidêmicas devastadoras, eram a peste bubônica, a febre amarela e a varíola. Mas havia também sarampo, tuberculose, escarlatina, difteria, coqueluche, tifo, lepra, entre outras.

  


                                                                                                               O vírus da varíola.



Para combater a peste bubônica, Oswaldo Cruz formou um esquadrão especial de 50 homens vacinados que percorriam a cidade espalhando raticida e mandando recolher o lixo. Criou o cargo de “comprador de ratos”, funcionário que recolhia os ratos mortos, pagando 300 réis por animal. Já se sabia que eram as pulgas desses animais as transmissoras da doença. 
Em 1881, o médico cubano Carlos Finlay havia identificado o mosquito Stegomyia fasciata como o transmissor da febre amarela. Cruz, então, criou as chamadas “brigadas mata-mosquitos”, que invadiam as casas para desinfecção. No primeiro semestre de 1904, foram feitas cerca de 110.000 visitas domiciliares e interditados 626 edifícios e casas. A população contaminada era internada em hospitais.
Mesmo sob insatisfação popular, a campanha deu bons resultados. As mortes que em 1902 chegavam a cerca de 1.000, baixaram para 48. Cinco anos depois, em 1909, não era registrada, na cidade do Rio de Janeiro, mais nenhuma vítima da febre amarela.
Em 1907, de volta de uma exposição na Alemanha, onde fora premiado por sua obra de combate às doenças, Oswaldo Cruz sente os primeiros sintomas da sífilis. Envelheceu rapidamente: aos 30 anos, tinha já cabelos brancos. A sífilis causou-lhe insuficiência renal. Mais tarde surgiram problemas psíquicos. Os delírios se intensificaram e conta-se que muitas vezes foi visto à noite, vagando solitariamente pelas dependências do Instituto Manguinhos, que ele próprio ajudara a projetar, em 1903, e que receberia o nome de Instituto Oswaldo Cruz em 1908.
Em 1916 foi nomeado prefeito de Petrópolis. A cidade, envolvida em disputas políticas, não recebe bem a nomeação. Oswaldo Cruz morreu, em 11 de fevereiro de 1917, com uma passeata de protesto em frente à sua casa.

Conclusão
Tendo em vista todos estes fatos que revelavam o receio e desconfiança da população em geral, no Brasil e no mundo, torna-se compreensível também a preocupação por parte do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová em dar orientações sobre os benefícios e potenciais perigos da vacinação, conforme era entendido e conhecido naquele tempo. Nada mais amoroso poderia evidenciar o carinho materno da Torre de Vigia. É válido frisar que até hoje, o que a ciência considera hoje infalível, amanhã pode ser totalmente antiquado e descartável e qualquer tratamento de saúde que ontem era imprescindível, hoje é tido como inócuo. Até mesmo os cientistas divergem entre si neste ou noutro campo. No entanto, quando colocamos as observações feitas nas publicações dentro do contexto histórico da época, fica fácil perceber a real motivação das Testemunhas em se precaver do que poderia ser um risco em potencial. Com o passar do tempo, à medida que a ciência ía evoluindo, novos entendimentos foram tornados disponíveis quanto aos métodos e benefícios da vacinação, o que sempre foi posto à disposição dos leitores das publicações das Testemunhas de Jeová. E isso é o que é feito até hoje à medida que a ciência, tecnologia e medicina vai avançando.

Saiba mais:
Veja a revista Despertai!  8/8/1993 pp. 22-25; 22/5/77 pp. 5-9; 
Site Wikipedia, sob o link http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_da_Vacina 

Nenhum comentário:

Postar um comentário